quarta-feira, 3 de setembro de 2008

COLETÂNEAaclapCANDANGA


PERCÍLIA JÚLIA TOLEDO
Meu Deus

Ocupe minha mente de vossas palavras tão preciosas
e meus lábios anunciem sem cessar vossos louvores,
Porque vós sois o meu Rei.
Minha casa seja vossa morada
e meus filhos vossos servos,
Pois tudo quanto possuo vos pertence.
Meu ser se encha da fé mais profunda,
meus caminhos sejam iluminados
à luz dos vossos olhos,
E nessa luz, seja eu purificada.
Meu Deus, só vos peço
que minha geração alcance a tua salvação eterna,
E meu coração esteja sempre transbordando
de amor e verdade,
Então meu ser por inteiro estará
envolto em tua paz!
DONZÍLIO LUIZ DE OLIVEIRA
As Paixões (Soneto sem a vogal “U”)
No rol de todas as paixões vividas
Só essa foi sincera e verdadeira
Pois combinava regras e medidas
Para se ser feliz a vida inteira

Mas logo, por razões desconhecidas
Se foi modificando, de maneira
A se classificar como perdidas
Todas as chances de transpor barreiras;

E não havendo possibilidade
De novas fases de prosperidade
O jeito é nos rendermos aos fracassos;
Mas mesmo admitindo-se as derrotas

ADAUTO DE SOUZA
Conexão Jamaica
Somos da Conexão Jamaica.
Descendentes da civilização arcaica
Trazemos as marcas da escravidão africana
Somos negros, com louvor.
E JAH é a vida é o amor
Fruto de uma geração platônica
Em rota de colisão, com a Amazônia.
Somos uma nação pacífica.
De cor específica
Igual aos nossos semelhantes
Como o descobrimento era antes
Semelhantes de um País carente
Um povo forte, obediente.
A nossa elite, decadente.

ANDRÉ ROCHA
BrasILHA


Brasília até hoje melhor não se viu
Suaves formas, frio concreto.
Afinal quem te construiu
Só leva o título de arquiteto?

Brasília de pedra e de flor
Qual seria melhor inspiração?
Brasília também de fel e dor
Quem teria a explicação?

Brasília do herói e do cidadão
Cada dia mais tenta viver.
Brasília do burocrata e do ladrão
Quem tentará se defender?

Brasília que tanto se mostra bela
Do passado ao futuro em um segundo.
Apesar do que entristece e traz seqüela
Ainda te quero a outro lugar no mundo.

Brasília: mistura da mistura brasileira
Cada cidadão que é acolhido.
E mesmo na passagem mais ligeira
A tudo de bom acaba rendido.

Aos anônimos e aos conhecidos
Minha homenagem!
Aos mártires e alguns esquecidos,
Minha homenagem!
Aos vencedores e aos vencidos,
Minha homenagem!

ANTONIO SOARES
O Paraíso


O vento é forte e balança as árvores
A chuva cai e o orvalho é frio
Veado corre quando o cachorro late
A inhuma canta louvando os riachos
E eu aqui plantando a esperança de um dia voltar
Para matar a saudade do verde deste lugar
E do canto do sabiá,
De estalar da faveira
Chamando toda a bicharada.Aos políticos oportunistas e bandidos,
Minha mensagem!Louvamos-nos
Nos amamos
Os nossos projetos, não passam nas pranchetas.


ARLETE SYLVIA
Mãos Abençoadas


Que Deus abençoe sempre suas mãos!
E elas possam trazer felicidade.
Mesmo convivendo com seres não-sãos,
Elas demonstram toda a sua bondade.

Quando nós vimos a esta Terra,
Todos temos destinada uma missão,
A sua é grandiosa nessa era.
É sublime, pois exige o coração.

Coração que vive tão escondido...
Onde só o dono sabe o que sente,
Tristeza, alegria, amor contido,
Porém a emoção se faz presente.

Feliz de alguém que nasceu para brilhar;
Mãos que sabem operar e escrever.
Que palavra eu teria pr´exaltar...
Quem foi abençoado desde o nascer.
Estão esquecidos nas gavetas
Vamos dizer não, a discriminação.

CHICO IVO
Todo Fumante Carrega
A Morte Acesa na Mão


Tudo o tabagismo aumenta:
Usuário se perverte
O ministério adverte
A medicina orienta
A Cruz Vermelha comenta
O SUS dá explicação
O colégio entra em ação
A igreja também prega
Todo fumante carrega
A morte acesa na mão.

Quem faz exame de escarro
Vê o mal onde se arrancha
Tem no pulmão uma mancha
E na garganta um pigarro
Quando lhe falta cigarro
Entra em alucinação
Desacordo, depressão
Se não fumar, não sossega
Todo fumante carrega
A morte acesa na mão.
O vício fere e ilude
Traz a pior conseqüência
Abrevia a existência
Empurra pro ataúde
Um desgaste pra saúde
Um black out no pulmão
Nas veias do coração
A nicotina se agrega
Todo fumante carrega
A morte acesa na mão.

Todo fumante costuma
Ser no vício mais atento
Descarta o próprio alimento
Não liga coisa nenhuma
Acende o cigarro e fuma
Nem lembra da refeição
Tem reflexo na visão
Mas a consciência é cega
Todo fumante carrega
A morte acesa na mão.
Queremos maior participação
Liberdade para os nossos sonhos
Tudo o tabagismo aumenta:
Usuário se perverte
O ministério adverte
A medicina orienta
A Cruz Vermelha comenta
O SUS dá explicação
O colégio entra em ação
A igreja também prega
Todo fumante carrega
A morte acesa na mão.
Quem faz exame de escarro
Vê o mal onde se arrancha
Tem no pulmão uma mancha
E na garganta um pigarro
Quando lhe falta cigarro
Entra em alucinação
Desacordo, depressão
Se não fumar, não sossega
Todo fumante carrega
A morte acesa na mão.Não é utopia, é emancipação.



CLINAURA MACÊDO
Ensaio de Orquestra


A nota estranha soa o desalento
Alma serena se vai num segundo
Asas seguras levam o pensamento
Buscando um Reino que não é deste mundo

Perdida em sonho, amor e desvelo
Alma cansada já se fez ciente
Que nos sustenta um só fio de cabelo
Na Orquestra Escola do Maior Regente

A voz estranha que me tira alheia
Dos meus amigos desde a hora primeira
Alvo certeiro atinge e presenteia
Sua ilusão na orquestra passageira

Entre dois reinos a alma insegura
Sabe que vale O que não é deste mundo
Modesto canto Neste ela procura
E chora a dor de um reino moribundo

Salve, Rainha da Misericórdia!
A mais humilde se fez A Mais Bela!
Rogai por nós no ensaio da discórdia
Os dissonantes da Vossa Capela


CONCEIÇÃO TAVARES
Pensamentos


Sentei
Pensei
Te vi
Te senti
Te desejei
Te beijei
Te amei
A porta abriu
Saíste
Partiste
Tua sombra, não vi
Tuas pegadas, deixaste
Sozinha, fiquei
No quarto, teu perfume
No lençol, o teu cheiroNo meu coração, a saudadeDiva da Mais Sagrada Partitura
Em Vossa Orquestra tão desafinados
A Vós bradamos nesta desventura

DUKALDAS
O Boneco de Milho

Em um milharal localizado em uma fazenda, lá no interior de minas gerais, nasceu uma bela espiga bem diferente das demais. Era a mais rechonchuda de todas. O dono da fazenda não se cansava de admirar, tamanha era a beleza daquele fruto da terra. Um dia antes da colheita, uma lagarta muito malvada e gulosa veio ao milharal, a fim de devorar a tal espiga de quem já ouvira falar. Ao vê-la, lançou-se a ela e a devorou o quanto pôde. No dia da colheita, o estrago foi notado por todos. Da bela espiga só restaram alguns grãos, palha e sabugo. Deixaram-na então, sozinha e abandonada ali no milharal. Uma menina pobre, filha de um empregado da fazenda, vendo aquela espiga jogada, pegou-a em seus braços e levou para casa. Chegando lá, transformou-a em um lindo boneco, seu único brinquedo, e passaram a brincar juntos constantemente. Passando alguns anos a menina cresceu, se casou e foi embora deixando mais uma vez o boneco, outrora uma espiga, abandonado.A sorte do boneco é que desde que fora transformado em brinquedo especial, ganhou uma fada madrinha que estava sempre por perto. Para que ele, mais uma vez não ficasse sozinho, resolveu ajudá-lo. Com sua varinha mágica fez plim, plim, plim, na cabeça do boneco dando-lhe vida e também uma missão. A partir daquele dia seria protetor dos milharais. Para isso, contava com uma arma poderosa, uma bolsa contendo um pó amarelo que, em contato com a pele, causava coceira. Os inimigos dos milharais que se cuidem!!!Filhos de Eva, pobres degredados!
FRANCISCO MUNIZ
Lembrança


Quando falo de lembrança
Meus sentimentos você
Você que no mundo será eterna lembrança
Rosa linda de todos os jardins
Você lembrança inesquecível
Você que não é só palavra minha
Você é alegria do mundo
Você protetora e genitora da vida
Você instrutora dos primeiros passos
Você condutora ao futuro
Você lembrança boa pra quem sabe amar
Você razão para o meu escreverVocê mãe do meu viver.

GIL D´LA ROSA
Canto LII
Eis que a mulher se apossou do mundo
E o Diabo alcançou o seu intuito
Ao ver o sucesso do seu invento
Que exercendo um poder profundo
Relegou esses machos ao submundo
De obedecer-lhe às ordens no instante
Dedicados, sem hesitar. Não obstante,
O regozijo se estampa na cara
Do demônio, que com alegria rara
Festeja o seu domínio constante.



ISRAEL ÂNGELO
O Navio Brasileiro


Nesse abissal onde o céu vai ao mar
Um dia é perene nesse total martírio
O sol! A lua! Provam meu falar
Dando asas a ser um passarinho.

Tenho asa... pequena, mas sou um Condor
Dessa outrora dantesca não vou olvidar
Faço da lembrança meu estro com amor
Nessa terra, o poeta não pode parar.

Rei! Dessa terra volta o cat´vo a lutar
Hoje o antro é o nosso martírio
Quero ser súdito, mas o bem lograr
E ser o mar que recebe água do rio...

Sendo aspirante conheço essa história
Tão dantesca que no estro fui deplorar
Ao abissal a vida descia e outros sorriam
Fazendo o Condor esse porvir mudar.

Manc´bo bardo por muitos repudiado
Defendendo a antítese ao seu viver
Na praça foi plausív´l, isso é lindo!
Uma outrora que não consigo ver.

Hoje a liberdade é o prime´ro vôo
Um Condor vivendo como um passarinho
Liberdade que a vida não sonhou
Um navio terrestre em cada ninho.
JOÃO BATISTA
Crônica da Minha Vida



Cada dia que eu lia
As colunas sociais de Brasília
O meu delírio aumentava
E eu viajava no sonho
De ver meu nome intitulando
Minha coluna e a minha foto 3 x 4
Padronizando a coluna João
Batista (em maiúscula, no original)
Rodeada de estrelinhas
Igualmente um cartaz de cinema.
JOAQUIM BEZERRA DA NÓBREGA
TERRACAP Contra a Ceilândia (fragmentos)


Os Incansáveis moradores
Estão lutando prá valer
Com a união de todos
A gente pode vencer
Com a ajuda do povo
Tudo se pode fazer

O povo da TERRACAP
Não querem se entregar
E não sabem que um dia
Eles sim vão precisar
De um lote bem pequeno
Pra poderem se enterrar

É triste ver pelas ruas
A lama a escorrer
As crianças nela brincando
Logo vão adoecer
Se não têm nenhum conforto
Só resta mesmo é morrer

Eu tenho meu barraquinho
Cheio de mato ao redor
Não me deram uma tábua
Foi eu com meu suor
Querem agora me tomar
Sem ter um pingo de dó

Eu também moro em Ceilândia
E digo de coração
Todos sonhavam com tudo
Menos essa exploração
Façam algo por a gente
Que todos somos irmãos.

Leitores eu vou contar
Prestem bastante atenção
O que está acontecendo
Com parte da população
É o povo de Ceilândia
Que sofre grande aflição

Todo este pessoal
Morava no Bandeirante
Em seus humildes barracos
Porém não tinha o bastante
Hoje sim que piorou
Pois estão bem mais distante

Quando o caminhão chegava
Jogava tudo no chão
A mata era de fazer medo
Porém não temiam não
De dia debaixo de chuva
De noite era na escuridão

Só se ouvia a noite inteira
A pancada do martelo
Trabalhando dia e noite
Naquele mesmo duelo
Só mesmo para aprontar
O amparo para o burguelo

O coitado do pobre luta
E sempre um pouco animado
Faz logo o seu barraquinho
Pensando ter sossegado
Vem o ricaço e lhe toma
O pobre fica jogado
Os Incansáveis moradores
Estão lutando prá valer
Com a união de todos
A gente pode vencer
Com a ajuda do povo
Tudo se pode fazer

O povo da TERRACAP
Não querem se entregar
E não sabem que um dia
Eles sim vão precisar
De um lote bem pequeno
Pra poderem se enterrar

É triste ver pelas ruas
A lama a escorrer
As crianças nela brincando
Logo vão adoecer
Se não têm nenhum conforto
Só resta mesmo é morrer

Eu tenho meu barraquinho
Cheio de mato ao redor
Não me deram uma tábua
Foi eu com meu suor
Querem agora me tomar
Sem ter um pingo de dó

Eu também moro em Ceilândia
E digo de coração
Todos sonhavam com tudo
Menos essa exploração
Façam algo por a genteQue todos somos irmãos
JOSÉ ANTONIO
O Inferno


Por quê vim ao mundo assim
Cheio de interrogações
Perguntas:
Os filósofos existencialistas nem as doutrinas espiritualistas
Dizem
O que veio comigo dos gametas de meu pai?
Um vagabundo que nunca assumiu a família que fez
Se o filho da puta tivesse morrido e eu visto saberia
Era órfão
Qual a contribuição dos gens de uma mãe
Que nunca terminou o ensino fundamental
E se quer teve competência pra aposentar como doméstica
E diz que homem nasceu pra carregar carga.
Trabalho intelectual é frescura
De avô que morreu sem abraçar a família
Por achar que é fraqueza de caráter demonstrar carinho.
Responda: como pode o pensamento mostrar o mundo
Se não penso não existo
Se só penso que o mundo tenha dó de mim.
Se detenho o mundo em meus pensamentos
Só se saberá que eu vi do mundo
Quando não mais existir.
Os versos que chamo de filhos que fizAs estrofes que são familiares pra mim.

LÉO MARAVILHA
Infância Carente


Eu vim para contar a história da criança
Pobre carente sem lar
Abandonada tem o mundo como herança
Infelizmente o desprezo é seu mal
Vejam o que é desafeto, um problema social
Reza prum santo sem nome
Quando pode ela comer, a saúde anda mal
No seu canto escuro
Dorme pensando com as coisas lá do céu
Sofre calada, cadê seu Papai Noel?

Sou um artista sem fã
Ainda assim quero viver, sem sofrer
Nesse Brasil abençoado
Sou o homem de amanhã

Desse jeito, essa infância carente sem brincadeira
Sem afeto e proteção
Infiltra no submundo, no buraco mais profundo
E de lá não sai mais não
A economia é de guerra, inerte sem reação
Hoje se fala muito, fala muito, mas não surge a solução

Vejam como é lindo na avenida o carnaval
Vamos fantocheando definir
A essa gente o bem e o mal.
MANOEL JEVAN
Perguntas de um Candango que Lê


Quem construiu os postais de Brasília?
Nos livros só constam os nomes dos governantes...
Foram eles que ergueram os blocos de concreto?
E a brazuca capital transferida mais de uma vez?
Quem a reconstruiu de novo?
Quais as Casas de Dinda com torneiras douradas
Que abrigavam seus jardineiros?

Na noite em que se construiu a Esplanada dos Ministérios
Para onde foram os candangos da sua construção?
A faraônica Brasília esta cheia de eixos & monumentos:
Quem os construiu?
Sobre quem “postaram” seus arquitetos?
As colunas do Alvorada - tão decantadas - só continham o palácio?
Mesmo na legendária Matança da Pacheco
Os empreiteiros chamavam por a GEB
Naquela noite em que os confetes os encobriam...

O peixe-vivo JK construiu a Bras“ilha”:
Construiu sozinho?
Bernardo Sayão desbravou rodovias:
Não tinha ao menos um tratorista consigo?Israel Pinheiro chorou a primeira cova do
Campo da Esperança: só ele chorou?
Lúcio Costa venceu o concurso do Plano Piloto:
Quem mais aqui venceu um concurso?

Cada verso, uma glória...
Quem prepara os seus planos?
De “50 em 5 anos” surge um grande herói...
Quem paga as suas campanhas?

Tantas perguntas... Quantas histórias...


MANO LIMA
Retrato dos Atos

Ceilândia tem de tudo:
o vendedor ambulante, disputando o espaço na feira
e, no domingo, alegria
vozes de um alto falante, militantes de um partido atuante
e uma roda de capoeira
é a boemia do dia
- Olha o gás, dona Luzia!
Mas na poeira das ruas
a criança envolve-se com brinquedos improvisados
vê-se, de longe, o anúncio do reparador viajante:
- Conserta-se fogão à gás, geladeira e enceradeira!
Na vastidão, três, quatro crianças nuas
que a miséria não manda prenúncia
no biscateiro o semblante do cansaço:
- E conserto pra vida, não tem?
Ora, deixe de besteira
Mulher, hoje não tem feira!
E os legumes, os ciúmes noturnos nas biroscas, nos bares
e a prostituta que me assusta com seu alto preço
o menino travesso:
- Vai raça, seu moço?
Ceilândia, fonte de todos
o cantador repentista, em versos que ponteia
conta a história de um povo
que veio vindo, devagarinho
desvendando o cerrado, montando barracos
construindo prédios para uma minoria:
- Onde você mora, Ceilândia?
Ceilândia, do bêbado sentimental
dos bastardos vassalos que servem a elite
sem nenhum mérito ou prêmio
- Homem, meu troco
A passagem aumentou!
Não agüento mais violência contra o bolso, contra a vida
e a ferida não curada que o INPS não pagou.


MARCOS VIANA
Capital da Esperança



Vocês estão nas ruas
Na margem da pista
À margem da vida

Vocês estão nas ruas
Puxando um trago
Vigiando carros

Vocês estão nas ruas
Chupando drops
Chutando latas

Vocês estão nas ruas
Engraxando sapatos
Por um pastel e caldo

Vocês estão nas ruas
Na boca dos caixas
Subindo e rolando escadas

Vocês estão nas ruas
Nos chamando de tio
Sem teto, sem família

Vocês estão nas ruas
À margem da pista
Na margem da vida.




MARIANA LIMA
Segredo

Não devo te querer, bem sei
Porque não posso te amar;
Ainda que o amor em meu peito
Esteja a dilacerar
Insistindo com o coração
A idéia de te procurar.

O desejo de teus beijos, eu sinto
É uma verdade, não minto
Mas sei que é um amor impossível
É um querer sem razão;
Apenas um sentimento ingênuo
Do meu pobre coração.

Noites sem fim em minha cama
Penso em ti minha dama,
É difícil adormecer!
Não consigo entender
Esse amor que me invade a alma
Tirando-me o sono e a calma.

Ainda assim, preciso ponderar,
Estamos tão longe um do outro
Como o sul está do norte,
Tu, és dama da corte
E eu, um plebeu sem sorte.

Guardarei só para mim
O desejo de te amar,
Não saberás de mim,
Nem das minhas ansiedades
Ficarei no anonimato
Com minha infelicidade.


MESSIAS DE OLIVEIRA
O Cordel da Mala (fragmentos)

Nasceu do grande talento
De uma francesa feliz
Que enchia cestas de livros
E distribuí-los quis
Pelas ruas de Clamart
Um subúrbio de Paris

Ressurgia na região
Samambaia, uma cidade
Neusa Dourado moveu-se
Com essa realidade
E iniciou o trabalho
Naquela localidade

Neusa com toda vontade
No seu trabalho completo
Chamou Maria José
Nome que merece afeto
Educadora dinâmica
Que vibrou com o projeto

Neste projeto excelente
Os nossos jovens estão
Viajando na leitura
Criando imaginação
Adquirindo saber
E crescendo em educação.

A Mala do Livro é hojeUma extensão da culturaQue tem na SecretariaSua total cobertura
Incentivando as pessoas
A praticarem a leitura

A nossa LiteraturaPassou a ser divulgadaDepois que a Mala do LivroChegou perto da moradaDos que, antes do projeto,Não sabiam quase nadaA Mala é organizadaDe modo a contribuirCom aqueles que não podemOs livros adquirirE quem participa uma vezNunca mais quer desistir

Seu objetivo é irAos lugares mais distantesLevar o conhecimentoAos nossos estudantesTransformando-os de objetosEm sujeitos atuantes
NINA TOLLEDO
Cotidiano


Quem me vê passar apressada
Nem imagina minha estrada
O que sinto, penso e vivo
Enfim, minha jornada...
Nem sabe que tenho vazios,
Sinto frio na madrugada
Que às vezes me sinto feia
Triste e desanimada
Que sonho em ter um amor
Novo horizonte, nova vida
Um ombro bem confortável
Ter paz, ser compreendida...
Quem me vê passar apressada
De mim não sabe nada
Que minha cor não é essa
Em minha tez estampada
Que o sol do dia-a-dia
Deixou-me bem mais corada.
Quem me vê passar todo dia
Nem imagina quem sou...
Não sou essa andarilha
De apenas uma estrada
Meu coração corre o mundo
Bate forte, vive em revoadas
Buscando, buscando, buscando...
E nada encontra... Nada!


OSVALDO ESPÍNOLA
Conselho de um Pai

Meu filho, se chegar alguém
E perguntando tudo bem?
Te falando bem baixinho
Sempre de cabeça baixa
Com a mão dentro da caixa
E te entregando um pacotinho
Diga não para este moço
Diga que é em vão o seu esforço
Que ele é um destruidor

E pelo jeito que estou vendo
Meu filho, ele está querendo
É destruir o nosso amor

Quando ele chegar é de mansinho
E chegar bem devagarinho
Até sorrindo pra você
Na manhã de um lindo dia
Já depois que você vicia
Ele vem pra receber
Aí bate o desespero
Você treme o corpo inteiro
E não tem mais o que fazer

Pois é tão grande o desespero
E se você não tem dinheiro
Meu filho, ele mata você.


RAPPER JAPÃO
Lá no Morro


Não tô nem aí, nem reclamo, a vida tá firmeza
Aí moleque passa o pano, qual que é, desenrola mané
Ter um carro muito louco é um sonho
Pagar de boy nunca foi a nossa cara
Na quebrada, humildade sempre vinga
Ah, cara, sem essa de licença, sem caô seu doutor
Pouco dinheiro mas eu vivo feliz
E me amarro nos moleques, chega e diz
Ficar um tempo, ouvir Rap é pra mala
Se não é isso, sai canalha
Liga o rádio, Claudinho se destaca
Qualé o baile pivete, se encaixa
Bota uns pano, um relógio da hora
Tá na chuva então se molha
Fica lá no canto, escuta o som que é Viela, simbora
É nós no morro, som, batida, só glória
Vou lá no morro
Comunidade unida é um pote de ouro
Vou lá no morro
De Ceilândia a Planaltina é frevo de novo
“92 cor de sangue”, um banco de couro
Os olhos vermelhos que nem a nota da escola
Quem tem de si eu quero ser assim
Calça de lim não é pra mim
Bem pior do que aparenta
eu sei o que meu boné representa
No trevo estamos com o Viela.


RONALDO MOUSINHO
O Poeta e a Vida


Fiz-me poeta,
Pelo amor que estimula,
A injustiça que afronta,
O ódio que instiga.

Vivo a vida
Nessa tríade vertente:
No amor que humaniza,
Na injustiça que inspira,
No ódio que atiça.

Sou poeta e me conduzo
Em mistérios e sonhos,
No saber e glórias,
Vislumbrando elevação
Pessoal, coletiva.

E porque sou “antena do meu tempo”
Capto a vida em suas feições,
Sofrendo, vibrando, refletindo.


ROSANA MARIA
Sou a Cei

No começo, eu era erradicação
Pelo um anel-sanitário
Fizeram a minha remoção

Sem teto, fui barraco
Sem luz, só apagão
Sem água, era a Ceilama

Carência era o meu sobrenome
Comissão, campanha, invasão...
Tanto nome que quase me consome

Os anos se passaram
E agora eu já sei
Que hoje eu sou:

Cidade, sim
Excluída, nunca
Incansável, sempre!

SEBASTIÃO LIMA
Luz do Saber

Sou como o pensamento que está sempre atento
Tanto nos antigos como aos novos movimentos
Sempre fico no meu cantinho bem quietinho
Observando o que está acontecendo
Pensando num mundo mais justo e consciente
Onde o homem e a mulher possam andar de mãos dadas
Tentando construir um mundo mais sábio e inteligente.



SIDINEY BREGUÊDO
Quando Eu Morrer


Quando eu morrer,
Não quero fama, nem estardalhaço.
Não quero caixão de pinho,
Nem gravata de laço.
Menino, hoje sou vivo e belo
E ninguém vê meu sorriso amarelo.
Amanhã quando eu morrer,
Tirarão do meu pé o chinelo
E esculpirão em bronze
Bengala ou cutelo,
Plaqueta para o senhor administrador
Assinar: poeta, menino, poeta!!
Me cobrirão com o pó
Do ouro amarelo
E a glória me darão em verdade,
Dos empresários serei a vaidade,
Seu ouro e sua vida,
O caviar e a bebida.
Quando eu morrer,
Não quero fama, nem estardalhaço,
Os homens declamando meu nome
Como estúpidos palhaços,
As moças me enrolando em abraços.
Nas escolas,
Não quero que estudem
A minha vida em bagaço.
Ou mesmo que revolucionei,
Que uma escola literária inventei,
Não me cante como herói
Para que o povo me compre,
Mas foheiem
Minha vida
Num instante.

VAÍSTON
Cogumelo


Com sopro suave
De cachimbo sem fogo
Varreu a vassoura do vento:
Tempo
Projetos
Sistemas
Teorias
Vida de temor...

A dimensão se tornou túmulo
Só prédios, fábricas,
Dinheiro, ambições.

Nasceu no planalto
Uma nova hierarquia:
Reis ratos, ratas rainhas.
Queijo, queijo, queijo...
E pizza na pradaria.



VALDINEI CORDEIRO
Brasil


Orgulho de viver
Que abriga nações
De cultura vasta
País de cidadãos criativos
Pátria querida
De qualidades e defeitos
De desigualdades
De má distribuição das riquezas.
Que precisa melhorar
A saúde
A educação
A segurança
E dividir melhor suas terras.
Preservar
A fauna
A flora
A água.
Eis o desafio lançado a todos os brasileiros:
Cuidar bem do nosso país
Para que todos possam desfrutar
De suas riquezas.



VANILDES DE DEUS
NOSSA SENHORA DA GLÓRIA, Padroeira da Ceilândia


Oh! Querida virgem da glória!
Quão sublime é teu olhar!
És esperança, és vitória,
És a força do nosso caminhar.
Leva a Jesus nossa luta e história,
Deixa sua luz nos iluminar...

És mãe dos ceilandenses,
Dos incansáveis e de toda a população
Também dos candangos, dos brasilienses,
Dos pobres e da nossa geração.
Acalenta-nos com o teu silêncio
Sê nosso escudo e proteção!

És bendita! Ó querida padroeira,
Qu’a este povo vieste abençoar.
Da Ceilândia, és uma das primeiras
A “palavra” e a “eucaristia” celebrar.
Sendo fonte viva e luz verdadeira
Vem, almas de sede e fome saciar.

Tua história é grande fascínio
Vários nomes temos a destacar,
Como o célebre frei Cirino
Cuja memória vale-me exaltar.
Alimentou muitos pobres e meninos
E dos desabrigados soube cuidar.

À custa do seu ofício
Sua vida a deus entregou
Deixando marcos, registros...
Das obras do criador.
A ele então o título:
Primeiro “pároco e fundador”

Ao longo da jornada, deus o auxiliou
Com sacerdotes e irmãs dedicadas,
A messe germinou e frutificou.
Hoje, o padre Wilson destaca-se
Como pároco-evangelizadorE a virgem o envolve c’o manto protetor
VICENTE DE MELO
O Candango (fragmentos)

O calor era insuportável. O solo seco e rachado, de tão candente, queimava os pés descalços do homem que olhava a plantação totalmente perdida.
Bastião, sentado em um banco tosco de madeira, puxou para si o velho rádio de pilha. Apesar de analfabeto, não era nenhum apedeuta, pois acompanhava com grande interesse os problemas de sua pátria. Subitamente, uma notícia chamou-lhe a atenção. Estavam recrutando trabalhadores para a construção da nova capital do Brasil.
Com a mulher e filho, Bastião pegou algumas tralhas, o rádio e a velha sanfona, e partiu. Na cidade, o caminhão conhecido como pau-de-arara, já o aguardava para a longa viagem até o Planalto Central.
As chusmas chegavam de todas as procedências à nova terra prometida. São chamados pejorativamente de candangos que, na acepção da palavra significa “pessoa ruim”. Bastião e a família ficaram instalados na Cidade Livre.
Tudo parecia uma torre de babel. Milhares de operários, dependurados em andaimes. O ritmo era alucinante, dia e noite sem parar. Os responsáveis pelas obras, sempre gritando muito, mais pareciam feitores armados de chicote dos tempos da escravidão.
Como ajudante de pedreiro, Bastião carrega sacos de cimento nas costas, ajeita ferros e concreto. Vivia sempre sorrindo para os conterrâneos e os chefes. Até para o presidente, que sempre visitava as obras, ele já sorriu e tocou o clássico “Asa Branca”.
Certo dia Bastião fora chamado no escritório da NOVACAP, tinha sido escolhido para operário-padrão. Domingo à tarde no auditório, improvisado em frente ao futuro Palácio do Alvorada, estudantes treinados pelas “tias” balançavam fitinhas verde e amarela e cantavam o “peixe-vivo”. Num canto, suando em bicas, Bastião fora chamado à frente. Recebeu das mãos do presidente da república uma caneta banhada à pirita, ou seja, o popular ouro de tolo. O pobre operário, que não era besta, agradeceu sem graça e dias depois vendeu o “prêmio” num boteco.
A manhã era de sol e carnaval. O errebol banhava o acampamento com lumaréus de fogueira. Alguns operários, insatisfeitos com a má qualidade da comida, resolveram fazer uma manifestação. Iniciou-se, então, uma guerra cruel e desumana. De um lado, operários famélicos e indefesos, e do outro, soldados da GEB assomando e atirando. O resultado final foi uma matança. Os corpos foram enterrados nos arredores da cidade, onde hoje estão vários monumentos arquitetônicos da “modernidade”. Bastião conseguiu escapar fugindo pelos fundos do acampamento. A partir daquele dia, passara a ter certeza de que a capital da esperança fora apenas uma utopia.
O tempo passara rápido. Foram três anos e dez meses de muita labuta. A nova capital finalmente fora inaugurada. Todos eram homenageados; já os candangos, dentre eles Bastião, nem dinheiro para participarem da festa tinham.
Bastião virou alcoólatra, passando a beber de revolta e tristeza. Agora sem emprego e vivendo de bicos, foi jogado numa invasão próxima, conhecida como “Morro do Urubu”, em meio à lama, poeira, miséria e violência. Os anos se passaram. A favela onde morava, após uma “campanha de erradicação das invasões” feita pela ditadura militar, foi “removida” e assentada em uma nova cidade-satélite bem longe do poder.
Certo dia, encontrado pelo serviço social, Bastião fora internado em um asilo de velhos. É um homem com mais de setenta anos. A boca banguela, estava sempre sorrindo para os novos companheiros. Alguns também eram heróis anônimos da epopéia de Brasília. Bastião passa horas relembrando os tempos idos. O rádio e antiga sanfona, há muito trocados por cachaça, já existiam mais.
O dia estava ensolarado, era uma manhã de sexta-feira. O asilo organizou uma excursão para os velhinhos até o Plano Piloto. Bastião levantou-se cedo. Iria viver um dia de turista pelo lugar que ajudara a construir. O ônibus, primeiramente, passou pelo eixo monumental. Reconhecendo a figura do ex-presidente acenando para a cidade, ensaiando um sorriso irônico, relembrou o dia em que recebera a falsa caneta de ouro. O veículo atravessou a rodoviária e entrou na grande esplanada. À sua volta, surgiram os sinais de luxo e ostentação. Lembrou-se de tudo que a vida o havia feito sofrer. Imaginou-se de volta ao querido nordeste, no seu pequeno roçado. O suor do rosto misturava-se às lágrimas escorridas dos olhos de pálpebras cansadas.
De volta ao asilo, numa expressão de lassidão, Bastião dormiu rápido. No outro dia não acordaria mais. O velho candango expirou solitário e esquecido.


ADALBERTO ADALBERTOS
LAND CEI: Saga-Enredo da Criação de um Novo Mundo


“Noventa milhões em ação,
Pra frente Brasil do meu coração...”
Para censurar, oprimir e torturar,
Botas, butes, botinas, King-Kongs s camburão.

“Eu te amo, meu Brasil; eu te amo...”
Até parecia que tudo ia bem,
Que estava tudo very well,
Pois a menina, pérola rara, coisa fina,
Única filha de um Coronel,
Apaixonada, encantada, maravilhada,
Ai de mim, fazer o que?
Ás escondidas e sem o pai saber,
Fez de si a minha amada.

“Eu te amo, meu Brasil; eu te amo.
Ninguém segura a juventude do Brasil...”
Até parecia que tudo era legal.
Pois, vejam só, a filha de um General,
Alma ímpar, alma una,

Com a sua premissa e com o seu querer
Fez de si minha doce aluna.
Ai de mim, fazer o que?
Pois, suburbano, suburbano
Suburbano periférico,
Acabei na UnB.
Ai de mim, fazer o que?





ADÉLIA COIMBRAS
Poema Saudade
uma videira, que no seu tempo deu nove galhos
Todos bem grandes e floridos. Mas em 1994 um galho quebrou
Veio o tempo, e o vento, e um galho ele levou
Saudade vem e saudade vai
Deixou muita saudade, saudade para seus pais.
Deixa saudade para seus irmãos.
Saudade muita que ficou, da família que deixou
Esposa maravilhosa! Que lembrança tão espinhosa!
Ah! Saudade. Tinha sim, alegria e prazer.
Galho que deixou sementes,
Dois filhos para a família render
Saudade de sua família pequena
Saudade de sua esposa morena
Saudade dos filhos que deixou
Me dizia que casou-se por amor.
Saudade! Saudade de quando você era criança
Ah! Que doce e triste lembrança.
Esta comigo em qualquer lugar,pois está vivo dentro de mim
Nos meus sonhos, no meu jardim
Como eu queria você, aqui bem pertinho de mim.



ADILSON CORDEIRO DIDI
É Doce Morrer no Mar, Caymmi

É doce morrer no mar
Nos braços de Iemanjá
Num caminho para o céu
Com Bolero de Ravel

É doce morrer no mar
Num jardim de Alá
Com flores de orixá
Amores pra navegar

É doce morrer no mar
Nos braços da mulher amada
Com beijos de namorada
Numa noite encantada

É doce morrer no mar
Num rio ou igarapé
Oração à Santa Sé
Com paixão e cafuné

Numa nave a navegar
Na lua de prata, brilhar
Na grua do seu olhar!
É doce morrer de amar!!!


AMÁRIO CASSIMIRO
Sonhos de Poeta

Sonhei um dia
Ser um poeta,
Ter um grande amor
Procurei nas estrelas,
No sol,
No mar,
No ar.
Pela terra andei a procurar

Encontrei a Deusa
Dos meus sonhos,
Sonhos de poeta,
Do amor irreal,
Do amor sem igual,
Do amor imortal.

Não gostaria
De vê-lo acabar,
Sonhar e não acordar.


ANA PAULA
Brasil Sonhador

Meu Brasil que tem fome
E o homem cada vez
Querendo mais
Sem sentir a dor
Que provoca o terror

Num país de paz
Que cabe cada vez mais
Meu Brasil
Verde e amarelo
Que fez um elo
Com a natureza
Tornando-a mais bela

Meu Brasil
Dos amores
Que nos faz crescer
Na harmonia das cores

Meu Brasil
que enche a gente
de muito amor
onde tem
povo trabalhador

Que mora nas ruas escuras
Com muito frio
E também com muito calor
Mas sonha
Com felicidade
E alegria nesse
BRASIL SONHADOR


ANGÉLICA TORRES LIMA
Aula de Arte

Bendito sejam os malditos
Porque torna os tolos
Gente que se identifica com eles,
Os crus desgraçados
Místicos obscenos.
Se eu tivesse conhecido Bukowski
Mais uma eu seria entre as vacas
Pintadas por ele? Me ninaria?
Me beijaria os rolinhos na cabeça?
Me amaria a Maria, laranja
Caindo da mesa, rolando pra longe
De porre, fumada, num seu poema trêbado?
Morro. E digo,
Esta nunca mais vai ter que ler
Charles na vida e sua himenotomia
Em madrugada azedas.

ANTONIO CARLOS SAMPAIO MACHADO
Trovas Candangas

Canta, canta! Oh! Ceilândia
Hoje é teu belo dia
Teu mar é céu;
E tua bela melodia!

Cada quadra muita arte!
Teu povo caminha sereno
Tens sintonia com marte
Esse dote não é pequeno.

Bela vista panorâmica
Cidade de vocação;
Demonstra que é dinâmica;
Seus filhos em oração!

Tem viola e bom violeiro
Essa terra dá bons frutos
Há um passo bem certeiro
Das meninas nos estudos!
Candangos aqui vieram!
Somaram ricos talentos;
Na construção souberam
Desenhar em suaves ventos!

Na aclap hoje tomo posse
Com os amigos confrades!
Prazer, orgulho ela torce:
É a musa! E meus compadres?!


ANTONIO GARCIA MURALHA
A Mão da Direita é a Esquerda

É a mão da esquerda que conduz o arado
Que revolve a terra, que semeia o grão,
Que cultiva a planta que produz o fruto,
Que debulha o trigo que transforma em pão.

São os pés da esquerda que caminham léguas
Sustentando o fardo que caleja a mão,
É a mão da esquerda que rasga o caminho
Que dá pão e vinho na mão do patrão.

A mão da direita é a esquerda,
A mão da esquerda é apropria mão.

É a mão da esquerda que fabrica a urna,
Que assinala o voto, que faz a eleição,
É a voz da esquerda que irrita a direita
Quando a mão da esquerda quer partir o pão.

Essa voz da esquerda que é mão operária,
Revolucionária, verdadeira mão,
É mão calejada, mas é mão fadada
A ficar calada na Constituição.

A voz da esquerda é a direita,
A voz da direita é a própria mão.


ANTONIO MIRANDA
Verdades Oficiais


Todos somos iguais perante a lei
e os direitos constitucionais são para todos
- os parentes, os amigos e correligionários.

Todos somos inocentes até prova em contrário
alguns são considerados inocentes
mesmo depois de comprovados
os seus crimes contra o erário público.

Repetimos, para que não reste dúvida:
usufruímos de todos os direitos constitucionais
- tortura, nunca mais!!!
e estamos livres de preconceitos
- quem duvida?!?!
e somos cordiais.

Nossos políticos são mais honestos,
nossos banqueiros mais patriotas
e os juristas mais judiciosos.

Nosso céu tem mais estrelas
nossos coqueiros têm mais cocos
nossas galinhas põem mais ovos.


ASSIS COELHO
Caminhada

Os dois caminhavam trombando. Pareciam levados pelo vento. Um mais abastado possuía um chinelo. O outro, descalço. Seguiam indiferentes a todos. O menos bêbado sobraçava um saco de papel. Era fácil imaginar o conteúdo. O descalço parava tentando suspender a bermuda que relutava em cair. Por estar menos bêbado, ainda guardava um pouco de preocupações com a decência. Parece que levavam consigo uma certeza de que tinham de ir em frente. Para onde? Para quê? Continuavam indo em frente embora tudo lutasse pelo contrario. Paravam de vez em quando, tomando sôfregos goles que caíam em suas barbas crescidas e amareladas pela nicotina.
Na tentativa de manter um certo equilíbrio, o baixinho, descalço, empurrava a barriga para frente, arqueando seu corpo, dando-lhe um ar patético. Mas necessário para seguir em frente. Mesmo com grande dificuldade de equilíbrio, parecia andar lentamente. O outro seguia em frente, tentando demonstrar um certo ar de superioridade por estar um pouco menos embriagado. Com pouco tempo, o baixinho encostou-se num poste, articulando palavras incompreensíveis e gestos que seguia em frente. O outro seguia, determinado a chegar a algum lugar que ele mesmo não sabia dizer qual era. Relutava, também, em parar e perder o equilíbrio. Cair naquele momento seria inaceitável, pois não atingiria o objetivo traçado quando lúcidos.
Com essa vontade inexorável, o baixinho passou sem perceber o sinal vermelho, atravessando-o sem olhar para os lados e sem ouvir os xingamentos que se seguiam. Seguiu indiferente. Subitamente olhou para trás, lembrando-se do companheiro. Viu muita gente parada ao redor de um corpo caído. Não conseguia distinguir quem estava no chão. No meio de tanta gente, não conseguia identificar seu companheiro. Será que tinha caído, como era de costume, e ficado pelo chão? Era melhor seguir em frente. Depois se encontrariam.

ASTROGILDO MIAG
Chama Apagada (Por ocasião da morte de Leonor Regis)

O quarto ficou vazio.
A cama já não existe.
A mala de tábuas largas
onde se guardava a mortalha
está vazia.
As sandálias que pouco usava
panos, colchão abandonados.
E o quartinho no fundo da casa
perdeu toda a originalidade.
O gosto amargo, velho;
o rosto desfigurado,
magro;
o ar abafado
os gemidos lacrados
os pedidos frágeis
o corpo imóvel
os móveis
o banco de cabeceira
o chão sujo negro
acostumado sem água
desde que adoecera;
os braços magros
compridos
paralíticos!...
Tudo mudou.
Pouco ainda existe.
O velho candeeiro de asas
secou o pavio.
Sua chama tênue
confundiu-se
com o reflexo de muitas velas
e morreu...
— Morreu com ela...


CARLOS AUGUSTO CACÁ
Margarida Alves

Lá estão elas rompendo a estrada.Deixam distantes seus dias risonhos.Já desistiram dos contos de fadas.Hoje cultivam os seus próprios sonhos.Lá estão elas cerrando fileiras.Trazem enxadas e foices nos ombros.Fadas Madrinhas se tornam guerreiras.Marcham por sobre seus próprios escombros.Se já não têm o destino nas mãos,Se, sob os pés, lhes retiram o chão,Ainda assim vão em busca da vida. Se lhes acuam, empurram pra morte,Criam desvios, mas mantêm o norte.Seguem marchando feito Margarida.


CHICO MORBECK
21 de Abril

Ninguém me imagina triste
À espera de alguém
Só me imaginam gigante
Com a certeza dos vagões no trem

Ninguém me imagina pequeno
A cair nos braços de um bem
Só me imaginam colosso
Com os fuzis nas batalhas que vem

Ninguém me imagina frágil
Como quem não sabe se o amor vem
Só me imaginam mãe gentil
Com as pedras que a montanha tem

Assim liberto, assim prisioneiro
Vou batucando no compasso da espera
Logo após o último desfile de carnaval, sou eu
No minuto seguinte da bola no fim do jogo, sou eu
Nas noites de domingo antes do início das batalhas, sou eu

Brasil: uma esperança em cor de sangue
Um retrato em tom de mangue.

Naquele minuto...
após a partida do trem.
Naquela felicidade...
Prometida pelas manhãs que vêm.


CLODO FERREIRA
Mentira da Saudade

A frente da casa é bem menor
Aquela janela é uma só
Aberta no olhar perdidamente

E tinha uma rua ao redor
A usina tocava e o resto é pó
Grudado no olhar eternamente


Rever a paisagem na lembrança
Aumenta o desejo e a esperança
Mas não traz de volta uma cidade

Tirando as pessoas encantadas
E alguma alma bem amada
O resto é mentira da saudade.


DINORÁ COUTO
Beleza que Encanta

Protegida pela UNESCO, uma das mais belas cidades
A maior realização de um sonho modernista
Tombada como patrimônio cultural, assim é Brasília.
Recorde o início desta história, os espaços, as obras,
Incluindo até árvores, um tombamento bem singular.
Monumental, o Eixo, a avenida mais larga do mundo
Outros como o Eixão, os eixinhos e até o eixo rodoviário.
Na beleza dos palácios, da ponte JK e Lago Paranoá
Inúmeras outras nos encantam, os vitrais, cidade-parque,
O Catetinho, a Catedral, os ipês floridos, o cerrado!
De prédios do governo local, Memorial JK- a oeste
A Ministérios, Palácio do Planalto, Congresso - a leste.
Hoje, com setor novo, o Complexo Cultural da República
Uma dupla obra, com Museu e Biblioteca Nacional.
Mais cultura, com Teatro Nacional, o Festival de Cinema...
A construção alta da cidade, com mirante:a Torre de TV.
Na grandeza da ação de Juscelino Kubitschek de Oliveira
Ilustres nomes como Niemeyer, Lúcio Costa, Athos Bulcão
Deram vida e beleza à Brasília: cidade-inovação
A partir de um sonho, de ser a capital do país
Da plena integração arte com arquitetura surge Brasília
Eleita patrimônio, beleza que encanta e nova capital da cultura.


ELTON SKARTAZINI
Samambaia


Deixo
na poeira
gravado o meu rastro.


Trago
no meu rosto
misturado suor e lágrimas.


Concretizo
o meu sonho
com areia, cimento e ferro.


Enquanto
ao meu redor
se agiganta uma cidade.


EMANUEL LIMA
GUARIROBA, La Palmière Au Savannah


Au coucher du soleil
Le bruit des cigales
Et la plante majesté
Balance seus feuilles

Le Cris d’un oiseau
Le vol des abutres
La brise souffle
Les papillons bleues

Lá palmière au savannah
Maigre comme une lance
À un pont determine
Elle montre son fruit

Guariroba à Ceilandia
Ses rues et ses avenues
Um vrai grand marche
À colorer nos belles viés.

ÊNIO RUDI STURZBECHER
Trabalho!

São todas essas águas
Mergulhando entre montanhas e pedras
-pedras irreparáveis- sujas da vida!
Que arrancam das encostas
Onde homens trabalham pela vida!
Pela vida sem tempo de riso
Trabalha o homem no campo e,
O campo exaurido é prenúncio de morte,
Não a morte se si mesmo,
Mas mesmo de quem deseja a fartura!
Tão imbecil é o ser humano
Com toda sua inteligência!
Suas grandes conquistas são tão fúteis,
Fáceis históricas de homens brancos,
“limpando a terra”, acumulando bens inúteis!
Trabalha o homem no campo,
Trabalho duro entre pedras, montanhas,
Vales e vontades desperdiçadas...
Desrespeito de princípios,
Final de temporada de caça
Carcaças descarnadas de homens
Mergulhados na utopia da vida
Passageiros inexoráveis da síndrome da fome!
GONÇALO FERREIRA
Senhor Livro

Dedico ao senhor meu livro
eterno e sincero amor,
ele me ensina em silêncio
sem ar de superior;
por ser meu fraterno amigo
antes de dormir eu digo:
- Vou guardar meu professor.
Confidente verdadeiro,
companheiro e aliado,
portanto querido livroet
ernamente obrigado,
pois fraternalmente mudo
o senhor me ensina tudo
humildemente calado.
Arquivo de intimidades,
canal de sabedoria,
farol de conhecimentos,
inspirador, mestre e guia
que mostra em poucos instantes
o que há dois minutos antes
o seu leitor não sabia.
Obrigado, senhor livro,
pelo seu grande valor;
só como mestre em carne e osso
não se chega a ser doutor;
mesmo depois de formados
nós somos sempre obrigados
a consultar o senhor.
Como Confúcio o senhor
faz bem sem olhar a quem
e sem esperar jamais
recompensa de ninguém;
o título, com mil louvores
de “professor dos doutores
ao senhor cai muito bem.


ILDEFONSO SAMBAÍBA
Esta Língua Portuguesa


Ela é feminina
Elo masculino
Elo ou ele?


A poeta é fêmea
O poeto macho
Por que não?


Eu poetizo (z)
Ela: poetisa?!
Nós poetizamos


Têm razão...



JERÔNIMO DE CALDAS
Traças Não Correm Glória (fragmentos)

Alfredo Evangelista é o retrato de um típico e genuíno homem nordestino, nascido numa pequena cidade do sertão nordestino. Homem pacato, que vivia tranqüilo em sua atividade diária, trabalhando a dura vida de agricultor. Em pleno sol causticante, cultivava sua lavoura com muita dificuldade, a falta de boas chuvas era um castigo que atormentava aquele homem com mãos calejadas. Morava numa pequena casa simples, feita de barro e cipó, com seus cinco filhos, três homens e duas mulheres.

Juntaram as economias de todo e em pouco tempo concluíram a obra do tão sonhado poço, pelo fato do lugar de perfuração ser muito dificultoso, gastaram quase tudo o que tinham, a água só começou a minar a dezenas metros de perfuração. Isto custou quase um ano de trabalho da costureira e uma boa parte da aposentadoria de seu Alfredo, todos fizeram um grande esforço, bem justo, pois tratava-se de uma causa essencial a sobrevivência da família. Como o custo foi altíssimo comparado ao calibre financeiro da família a esperta Augusta teve uma brilhante idéia, era de esperar que de sua privilegiada cabeça algo iluminado sairia, já que não pudera apresentar seus trabalhos em uma exposição, venderia-os na beira da estrada. Todos os dias percorria uma distância de quase sete quilômetros, mas uma vez “Maninha” era o transporte, colocava seus trabalhos na sombra se um grande juazeiro a beira da estrada e ficava a disposição dos viajantes que passavam por ali. A estrada era bem movimentada, principalmente pelas que iam fazer feira na cidade vizinha, ela percebeu com o tempo que poucas pessoas paravam, resolveu então fincar uma grande placa, ignorando algumas básicas regras de português, a uns cem metros do local de venda: “Beba água pura do Alfredo” com essa estratégia conseguiu com que as pessoas curiosa parassem e além de beberem um pouco da tão falada água, de graça, compraram sem dificuldades os belos trabalhos da simpática moça. Os viajantes eram surpreendidos pela criatividade de marketing da garota, conseguiu assim vender com muita facilidade todo as suas artes, não precisou fazer exposição alguma para isso!

JOSÉ ORLANDO PEREIRA DA SILVA
A Musa

Para o poeta
A alma da mulher
Transcende a visão sensual...
Ao desenhá-la em versos,
Transforma-a em deusa,
De sinuosidades perfeitas,
De inteligência angelical,
Cultua-a como se fosse santa,
Materializa sua fantasia
E chama-a de musa !...

Nem todas as mulheres,
Menos ainda as evidentes,
Mas só aquela
Que lhe inspirou os versos:
A mulher singular,
Única, fascinante,
De quem, mesmo à distância,
O poeta vê a imagem,
Ouve-lhe a voz,
E roga por sua volta,
Para abraçá-la !...
LILIA DINIZ
Encomenda

Indo à Feira da Ceilândia
Encontrando meu benzinho por lá
Diz que eu tou quase morrendo
Com uma saudade medonha
Passo o dia a choramingar.
Diz que mande nem que seja
Uma cuia de feijão pra mim
Mas tem que ser do Piauí
Ou intão mande uns cravim
Pra eu mastigar todo dia
E não esquecer dos seus bejim.
Que se quiser pode mandar
Uma buchada temperadinha
Pelas mãos de Rita veia
Com coentro e cebolinha
Que bote assim de quebra
Um punhado de farinha
E tem que ser de puba
Daquela caroçudinha.
Aceito de muito bom grado
Um queijo de coalho de Caicó
Também me lambuzo todinha
Ai, mas se ele vier junto
Pra eu num ficar mais só...
Vixe Maria! Que eu prometo
Devorar ele tim tim por tim tim
No café, no almoço, na janta
Empunhado ele de abraço e de bejim
Tempero nosso imenso querer
Arrisco até uns versim
Mas vê se passa mermo
Passa na feira da Cei
Traz essa encomenda pra mim.
MÁRCIO COTRIM
Brasília em Cascata (fragmentos)

Alvíssaras, alvíssaras! Já está funcionando a primeira cascata numa quadra residencial de Brasília! Novinha em folha, fica na SQSW 101 entre os blocos C e J, no Sudoeste. A iniciativa foi da prefeitura da quadra, cujo titular é Luciano Gnone. A vice- prefeita, moradora d bloco J, é a simpática Eneida Carbonel, com quem conversei sobre o assunto outro dia. O prefeito estava viajando. A cascata, inaugurada dia 20 de dezembro passado, custou cerca de 5 mil reais, pagos pela comunidade. Isso, é claro, sem contar o paisagismo e a urbanização do local. É uma graça. Traz umidade, cria delicioso micro clima em seu redor e ainda tem, para torná-la mais simpática, pequena ponte em japonês e acolhedores banco que formam, em semicírculo, uma pracinha. Nele apetece sentar, ler o jornal, namorar ou simplesmente ficar pensando na vida. Jovens mamães e seus pimpolhos, senhoras e senhores, vovós e vovôs estão adorando, ali têm novo refúgio diário aproveitem o sol generoso ao som do barulho da água que cai e rola. Um universo mágico. Em meio à fanfarra pessoal de júbilo com a inovação, permita-me que é um sonho realizado.Sim, porque venho defendendo constantemente, repetidamente, obsessivamente, a construção de chafarizes nas quadras. Considero-me um chafarizeiro de carteirinha- que não é vantagem nem privilégio numa cidade que parece, esturricada, quatro meses por ano, de uma seca feroz. E, como sabe até um bebê de colo, a solução para a seca é água, simplesmente água.Não venha falar em desperdício , que a cidade não pode dar-se a esse luxoporque as reservas do líquido são escassas: os chafarizes quase não gastam água. Ela circula e sua evaporação não passa de 30%, segundo os técnicos. Em vez de chafariz, cascata. Tudo bem, tudo ótimo, uma benção, principalmente para as crianças, as maiores vítimas da seca.
MARGARIDA DRUMOND
DE DRUMOND PARA DRUMMOND

Ode ao Poeta do Século no Brasil (fragmentos)


Em cada poema vejo-te,
oh, Drummond, de Itabira das Gerais.
Teus versos invocam,
prescindem de uma métrica regular
ou de uma rima,
mas conservam o ritmo,
tão necessário à poesia.

Finda agora o século em que nasceste,
e, no comecinho do novo, no ano dois,
lembramos o teu Centenário.
Com justiça foste eleito O Poeta do Século no Brasil.
Assim, ergo-te este meu cantar:
simples, mas um canto, Drummond, que tu, aí de onde estás,
sentirás é pura poesia.

E, então, a conclusão que nos chega de ti:
“Restam sempre muitas
vidas para serem consumidas
na razão dos desencontros
de nosso sangue nos corpos
por onde você dividido.

Carlos Drummond de Andrade
o espírito de Minas Gerais também me visita.
E mais cautelosa ainda estou.
No emaranhado deste novos tempos,
onde a realidade é mais forte que o sentimento,
confundindo-me sempre,
ergo-te este canto.

MEIRELUCE FERNANDES
O Mar

O mar estava tranqüilo
Sem vento,
A água morna,
O sol abrasante...
E eu a sonhar,
Um sonho distante...

Vendo as ondas
Batendo nas pedras,
O horizonte infindo...
Qual uma longa espera,

O marulho que vem
De longe...
Não é qualquer barulho,
É aquele que faz vibrar
O mais distante pensamento.

O cheiro é sensual...
Em mim provocante...
Porque não dizer
Afrodisíaco?...

Mar, introspecções e reflexões
Nos traz...
Com tuas pedras, tuas rochas
E o teu brilho,
Que reluz, parecendo cristais.

Meus cabelos esvoaçantes
Como barcos velejantes...
Querem em ti flutuar,
Porém só me resta desejar...


MENEZES y MORAIS
Domicílio Inviolável

Tudo me leva a ti Camponesa
Com teus olhos de framboesa e teu cheiro de abacaxi
Amo em ti esta manhã revolucionária bem Pagu pra lá de Passionária
Manhã de sonhos de marcas de cervejas em tua boca -cereja
E obturações de porcelana
Meu coração Liga Tripa
Meu coração Legião urbana
Clodo Clésio Climério
Paus de arara e suburbanos
Ita Catta Preta Aldo Justo Beirão Jorge Antunes Nonato Veras
Meu coração marginal anuncia a primavera
A estrada da saudade é apenas a estação do encontro
E ondexiste vírgula leia-se pronto!
Isto não passa da frituras de linguagem
A TV serve a tua ceia a gente ranga tuas metáforas
Preparadas em forno de raio-laser com satélites e microondas
Camponesa
Bebo de tua sede
Banho em tua fonte e persigo os teus desejos
Meu coração Plebe Rude não se ilude
Escolas de Escândalos arte no Escuro Nexo Dia D5 Generais
BSB-H Artigo 153 Unidade Móvel Eduardo Rangel Banda Trem da Cores
Meu coração Capital Inicial
Todos os corações filhos da luta todos os filhos da luta
A vida é domicílio inviolável a vida é domicílio inviolável
A vida é domicílio inviolável a vida é nossossonhos
Nossaboca nossacoragem
O infinito do azul é a senha da vertigem
E a vertigem é a senha da viagem.


NICOLAS BEHR
O hino do cerrado

nem tudo
que é torto
é errado

veja as pernas
do garrincha
e as árvores
do cerrado


O GOMES
Colo Amado

Colo inigualável
é o da bem amada,
onde declinamos a cabeça
sob o afaga abençoado.
Colo benfazejo,
fonte dos desejos
celeiro das inspirações.
Acalento das ilusões.
Colo bonito.
Colo bendito.
Colo anguloso.
Colo formoso.
Colo inigualável.
é o da bem amada,
travesseiros dos prazeres,
fontes dos desejos,
celeiro das inspirações.
Colírio da visão.
Colo belo,
calmante do meu flagelo.
Prêmio do amor sincero.
Colo bonito.
Colo bendito.
Colo anguloso.
Colo gostoso.


POPÓ MAGALHÃES
Feroz Poema

Caberiam palavras lindas
Nesse poema.
Por si mesmo- poderia ele se manifestar.
Expressa-se como pessoa,
Com abstração e ensinamento próprios.
Além dele, nada haveria
Apenas ele: o poema!
Na gruta e no amor; com o tempo, e os antípodas
O poema seria real...
Que tal, calado poema? Podemos continuar?
Conta-me tuas angústias...
Estás amargurado poema,
Fracassado, acabado, ou amado?
Poema, quais os caminhos?
Quais as tuas células poéticas?
Poema, dá o braço, o coração;
Ensina a estupidez e a lucidez dos amantes,
A inconseqüência dos errados...
Protesta poema, diz, devora, mergulha nos nossos espíritos...
Sê tu, poema - UM ESPECÍFICO E AMÁVEL MENSAGEIRO!
Sê - O FEROZ POEMA


SANDRA FAYAD
Acróstico do Tamanduá Bandeira

Tua figura não se classifica de beleza.
Aparentas ser até bicho desagradável,
Mas és um ser como eu, com certeza.
Animal que sente, ama. És afável!
No habitat, atacas apenas uma zona:
Depredador de cupins e formigueiros,
Usando patas com garras e linguona,
Alimentas teu corpo por inteiro.

Bonito é o teu papel na natureza.
Ao lado do tatu e do bicho preguiça,
No reino dos Xenarthra, és realeza.
De insetos vives, mas se fogo e incendeia,
Esturricado fica, sem chance de defesa.
Investir em ti, tirar-te dessa intricada teia,
Recuperar tua espécie será grande proeza,
A consagrar político, cientistas e até princesa.

TETÊ CATALÃO
Fala Satélite

Fala Ceilândia
Fala satélite
Fala para a elite
Fala para plebe
Fala e cala
Fala para quem te impede

Fala satélite bota barro no carpete
Berra no acrílico da maquete
Periferia bracelete do plano e seu piloto
Plana satélite - mete a gilete no joguete - dá o troco

Éter satélite - sonhos e buscas - boca de filete
Desmente essa cultura lanchonete - faz piquete
Brota satélite - para não ser curral nem marionete
Mostra que pode - mata a sede - arrisca a pele, mostra o bode
Faz satélite e vai ser célebre – celebre!

VALNIRA VAZ
Alheamento

TÊNUES imagens vindas e findas,
Desvelam-se ao meu alhear-me
E nesse cicio espontâneo, inda que lindas,
Secretam sonhos ao desperto estagnar-me.

Para onde vai pensamento
Quando o olhar passa pela janela?
Onde o vagar do meu incerto olhar
Pinta cores em distante tela?

Que rumo descreve o pensar liberto,
Solto, ao contemplar a lua tremeluzente
Nas águas de regato incerto?
Como a consciência da consciência ausente?

Só sei que deliro .
E nesse devaneio creio o que crio,
Dando, a essa seda, a razão
Esvoaçante da emoção.


XIKO MENDES
Ler é Viver!

Ler um livro é ignorar fronteiras;Expor-se a idéias como ao vento;É derrubar muralhas e trincheirasApenas com a força do pensamento. Ler um livro é esquecer o relógio;Porque idéias pulsam como as horas;Transcendem a morte e os necrológios,Transformam a vida e a nossa história. Ler um livro na Escola ou em casaÉ sentir sem perceber o que é LiberdadePorque o livro é como se fosse a asa,Pois a gente voa em busca de verdades. Ler um livro é transportar sonhosNo delírio pleno que, em cada palavra,Me faz ver o quanto me envergonho...Quando dizem algo do qual não sei nada. É para isto que sempre leio um livro:É para saber sempre e cada vez mais.Com um livro sinto que de fato vivo
Porque viver é não deixar de ler. Jamais!

ZÉ LUIZ
Fala Povo

Vou relatar o meu pensar
Nesse espaço da poesia
Da agonia que é viver
Nesse pedaço de chão

Fala povo, chora povo
Mas não se cala não
Se for preciso, morra povo
Nesse pedaço de chão

Povo que perde a voz
Não é cidadão
Não pode ficar entre nós
Nesse pedaço de chão

Povo ameaçado, denuncia
Exerce sua cidadania
O silêncio nunca foi solução
Nesse pedaço de chão.

JOSÉ CARLOS VIEIRA
O poeta e o alfaiate
Necrológio no Cemitério ne São Francisco Morojó


Conheci Francisco Morojó, o Pezão no final dos anos 1970. freqüentávamos o agitado bar do Kareca. Os dois, sem dinheiro no bolso, unidos por uma mesa de bar. A corrida pela vida nos levou a rumos diferentes. Já no início da década de 80, encontrei-o em Olhos D’Água, onde os malucos beleza de Brasília se reuniam para a Feira de Trocas de roupas e sapatos usados por artesanatos locais. Pezão fazia parte do Paraibola, “o Sex Pistols do forró” . Lançava seus primeiros livros de poesia mimeografados. Um repentista urbano, destemido como todo
cangaceiro. Nos encontramos pela última vez em 2000 no lançamento do meu livro. “Você é o príncipe da poesia - repetia para todos os poetas - no que emendava: E eu sou o rei”. Num final de semana de dezembro de 2003, Pezão pegou carona com amigos para ir a Olhos D’Água. No meio do caminho, duas garotas também pediam carona. Gentleman, saiu do carro e deu lugar para as “princesas”. Retornou à estrada com o dedão em pé. Os amigos e as meninas chegaram à cidade. Mas o poeta não chegou. O carro em que viajava capotou: só ele morreu. No enterro, várias tribos reunidas, o forró comendo solto e as garrafas vazias de vinho e de cachaça espalhadas no chão. As pessoas das capelas não entendiam, todas embasbacadas, aos assistir o ritual daqueles anjos da noite. De repente, na hora do enterro, um pula dentro da cova. Em desespero, pede para ser levado no lugar do amigo. Foi uma das mais belas e verdadeiras homenagens a um poeta. Parafraseando Itamar Assunção quando na morte de Paulo Leminski - o músico enviou um fax ao poeta já morto - uso essa crônica para homenageá-lo: “Pezão, aqui é o Zé Carlos; não fui ao enterro seu, porque você não irá ao meu”.


JOÃO BOSCO BEZERRA BONFIM
O Romance do Vaqueiro Voador (Fragmentos)

Quem em noite de lua
Da Esplanada dos Ministérios
Se aproxima há de ouvir u’a
Voz que ecoa, entre blocos
E um aboio assim sentido
De onde vem? Mistério!

Que segredo esconde
Essa aparição medonha
Será milagre de Deus,
Será alguma peçonha?
Se quer saber então ouça,
Não faça cerimônia.

Era de janeiro primeiro,
Nos idos anos cinqüenta
Quando voou um vaqueiro
De altura sem tamanho
Espatifou-se no chão
Teve da vida o desengano.

Agora vamos saber
Quem terá sido esse tal
Que despencou do prédio
Cavalgando que animal?
Voou de que maneira?
Gente de bem ou cria do mal?

Mas era pobre operário
Retirante sem valor
Versejador de mão cheia
Analfabeto e ladino
Fazia troça da dor
Na morte tirava fino.

Quando o prédio quase pronto
Teve a última laje assentada
Vaqueiro ali subia
Quase fazia morada
Escalando os andaimes
Parecia alma penada.

Mas era pobre operário
Retirante sem valor
Versejador de mão cheia
Analfabeto e ladino
Fazia troça da dor
Na morte tirava fino.

Quando o prédio quase pronto
Teve a última laje assentada
Vaqueiro ali subia
Quase fazia morada
Escalando os andaimes
Parecia alma penada.

GUSTAVO DOURADO
Cordel do Amargedon (fragmentos)

Pra começo de viagem

Preciso me apresentar

Sou poeta do destino

Uma história vou contar

Da Guerra do Amargedon

Que ao mundo vai transformar...

Refaço a visão do Apocalipse

Do profeta São João

A cidade dos remidos

A musa da salvação

O berço da eternidade

A glória da perfeição...

Não se fala em Poesia

Só se vê Corrupção

Filhos desrespeitam os pais

Cresce a prostituição

Comanda a Ditadura:

Com tortura e repressão...

Os ricos estão mais ricos

Muito gente a roubar

Desfalcam o nosso Erário

Sem ligar para o azar

Exploram o dia todo

Para o tesouro aumentar...

Surge a grande meretriz

Babilônia, a grande musa.

O caos se espalha na Terra

A multidão fica confusa

Sorve a taça de sangue:

Que a Besta-Fera U.$.AA

Terra fora dos eixos

Em grande transformação

Terremoto e hecatombe

Maremoto e furacão

Ondas gigantes no Mar

E a fúria do vulcão...

O egoísmo não morreu

Faz o homem se matar

Avareza e mentira

O homem a enganar

Usura e lucro fácil

O homem a explorar...

O homem não tem remédio

É um eterno carniceiro

Desde os tempos da caverna

Tem mania de guerreiro

A Guerra do Amargedon

Abalará o mundo inteiro...

Adeus ao Maiakoviski Candango

Poeta Caboclo

O Poeta Caboclo foi-se
Para além da liberdade
Levou o martelo e a foice
Montando o dorso da verdade

Apressado, ele esqueceu
De levar consigo a poesia
Deixou-nos o que escreveu
Ouro em versos e melodia

Pezão poeta que era
Também grande compositor
Amigo de sentimento
Na alegria e na dor
Valorizava imensamente
Os versos do cantador

Quando correu a notícia
Que o Pezão faleceu
Fiquei triste no momento
Lágrimas dos olhos escorreu
Porque o poeta também
Era grande amigo meu

Geraldo Bazílio.






domingo, 25 de maio de 2008

SABEDORIA POPULAR

Academia Ceilandense de Letras & Artes Populares reúne artistas de várias áreas, alfabetizados ou não, em torno do sonho de publicar seus livros (*)

Eles queriam “aplausos”. Pelo sentido onomatopéico, ACLAP significa isso mesmo. Em Ceilândia, porém, é a sigla da Academia Ceilandense de Letras e Artes Populares. Orgulho da comunidade e esperança da realização de um sonho para os 35 integrantes: poder publicar um livro.
A cantineira Percília Júlia Toledo, 66 anos (mais conhecida como a “Cora Coralina Candanga”), foi a primeira a sonhar. A cadeira acadêmica nº 1 é dela. O professor de história Manoel Jevan se empenhou pelo sonho coletivo. Dá suporte a quem quiser elaborar projetos e conseguir financiamento do FAC (Fundo de Apoio à Cultura).
“quem escreve samba também é escritor”, antecipa Percília. Para ela, os diversos artistas de Ceilândia devem estar juntos na ACLAP. Aos 19 anos, quando estava no exército, Léo Maravilha aproveitava as horas vagas para escrever sambas-enredo. O chamado “sambista do Morro do Urubu” também compartilha o sonho de ter um livro: “Componho músicas, mas um dia ainda escrevo um livro”.
Na ACLAP, porém, ninguém usa roupas formais. As reuniões, desde agosto passado, sempre ocorrem no último sábado do mês, com seus integrantes em círculos e atentos aos versos, poesias, repentes e sambas. “Crianças, idosos, alfabetizados ou não, são todos bem vindos, o objetivo é realizar o nosso sonho literário”, comenta Jevan. Ao fim, o chá: as mulheres levam os comes e os homens, os bebes.
No dia do aniversário da cidade, 27 de março, a “academia” foi oficializada. Ainda falta eleger a diretoria, aprovar o estatuto e ter sede. Por enquanto, as atividades se desenvolvem na biblioteca pública do Centro Cultural de Ceilândia. Mas as histórias produzidas já são significativas.
A literatura de cordel, tradicional no Nordeste, tem influência certa em Ceilândia - cidade tipicamente nordestina. O pernambucano Donzílio Luiz de Oliveira, 72 anos, escreve poesia cordeliana, sonetos e é repentista. Também chamado de o “Camões do Cordel Candango”, começou a escrever com 25 anos e hoje já tem seis livros publicados. Como um dos presidentes de honra da ACLAP, Dom Donzílio se envaidece por freqüentar um lugar que une o erudito com o popular. “Toda cidade tem um ponto de encontro dos escritores; aqui tem dos escritores e de todas as outras artes”, expõe. Na reunião que oficializou a academia, ele escreveu uma poesia para Ceilândia:


“CANDANGOCEI”
Ceilândia, Ceilândia, nasceste e cresceste,
Depressa chegaste à maioridade,
Sem muitos saberem definir por que
A palavra CEI deu nome à cidade;
Aquela “Campanha de Erradicação
Para as Invasões” tem a sigla CEI.
Podemos dizer, sem medo de errar,
Que o nome CEILÂNDIA nasceu dessa lei.
Viemos da vila do IAPI,
Das vilas, Tenório, Colombo, Esperança,
Morro do Urubu, e do Querosene,
Foi mais um despejo que uma mudança;
Abriram as ruas, demarcaram as quadras,
Dividiram em lotes, puseram endereço
E jogaram a gente no meio do cerrado,
Como quem afirma: pobre não tem preço.
Ceilândia, tu foste criada de um erro,
Que uniu preconceito e discriminação;
Nós fomos expulsos do meio dos ricos
Para dá lugar a prédio e mansão.
Para os nordestinos, migrantes, “araras”,
És o maior ponto de concentração,
Exibindo estórias, forró, cantoria,
Cultura de um povo de uma região.
Ceilândia, Ceilândia, tu, por muitos anos,
Foste conhecida como “dormitório”,
Depois do progresso, estás sendo agora
A maior cidade deste território,
Invejando aqueles que nos expulsaram,
Agora, Ceilândia, és grande também.
Para os tubarões mostrando que somos
Humildes, mas dignos de morarmos bem.


(*) Izabel Toscano, jornal Aqui-DF, 09∕04∕2006.